Performance de homem nu: limitar é proteger
Em seu Art. 5º, IX, a festejada Carta Cidadã de 88, estabelece: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.”
Numa leitura apressada e menos contida, tem-se a precoce impressão de que o constituinte presenteou a todos os destinatários dos direitos e garantias fundamentais com um cheque em branco. Afinal, em nome da arte, da ciência ou de qualquer atividade intelectual ou de comunicação, tudo estaria permitido. Mas, seria mesmo a liberdade de expressão um direito inalcançável pelos necessários limites da proporcionalidade e razoabilidade? Até onde seria legítima determinada forma de expressão artística? Esta seria uma discussão que interessa à Segurança Pública ou a esta interessa apenas a ostensividade preventiva?
Obviamente que aqui não pretendemos ser conclusivos ou mesmo exaurir a temática, porém, após a apresentação do artista Wagner Schwartz no último dia 26 de setembro na estreia do 35º Panorama de arte Brasileira, no Museu de Arte Mordera (MAM) em São Paulo, um vídeo da apresentação viralizou no Facebook e mostra uma criança de aproximadamente quatro anos, tocando o homem que está nu. Autoridades, personalidades, juristas e internautas em geral omitiram suas opiniões, mostrando-se em sua maioria, contrários à exposição da criança à nudez do artista, motivando-nos a refletir também.
Pois bem, é cediço que prevalece na melhor doutrina a tese da inexistência de direito fundamental absoluto, isso significando que mesmo o mais fundamental dos direitos (vida), poderia, dentro de uma proporcionalidade e razoabilidade, sofrer limitações. Logo, limitar o exercício da liberdade de expressão, em tese, seria possível e compatível com o sistema de direitos e garantias fundamentais. Contudo, para que esta limitação seja feita à luz da Constituição Federal, deve haver uma ponderação, uma análise criteriosa, levando-se em consideração os valores constitucionais colidentes. E para que a ordem constitucional seja preservada, isso deve ser feito livre de preconceitos e paixões de qualquer natureza ou de qualquer dos interessados.
Logo, nem todo controle sobre a liberdade de expressão poderia ser considerado censura. Entretanto, alertamos para o perigo decorrente do afastamento da proporcionalidade e da razoabilidade quando da análise de direitos colidentes, pois, qualquer um dos extremos, traria consequências catastróficas. Afinal, imaginemos a limitação excessiva à liberdade de expressão, configurando censura extremada, algo inadmissível no estado democrático de direito. Ou o contrário, o exercício sem nenhum limite desta liberdade, chegando-se ao ponto da prática de ilícitos penas em nome da arte ou da ciência. Não se poderia imaginar, p. ex., como admissível o experimento científico ainda que extremamente indispensável no qual os seres humanos fossem reduzidos à condição de meros objetos, ignorando-lhes sua peculiar condição humana, furtando-lhes a dignidade.
Mas, no que isso interessa à Segurança Pública uma vez que não envolve nenhuma atividade que apontasse qualquer desordem?
Na verdade, partindo-se de uma visão ampla de uma política de segurança pública, a qual envolve não apenas a Polícia e menos ainda, só a ostensiva, esta é sim uma discussão que interessa a este setor da Administração Pública, pois, cabe ao Estado o exercício do Poder de Polícia, limitando, restringindo certas e determinadas liberdades individuais em prol da paz social, da tranquilidade pública. Pois, ainda que inexistam dados científicos precisos capazes de demonstrarem que uma performance como a do artista de São Paulo, seria suficientemente perniciosa àqueles de mente menos amadurecidas, é sim possível afirmar, mesmo que empiricamente, que crianças e adolescentes em plena formação devam ser protegidas de referências e estímulos impróprios para a sua condição de ser em desenvolvimento, garantindo-lhes um crescimento saudável. Permitir o contrário seria criar um ambiente favorável à ação de eventuais criminosos que não encontrariam resistência da criança, dos pais ou da própria sociedade, culminando tudo isso em mais uma demanda insolúvel da segurança pública.